quarta-feira, 7 de novembro de 2012

ARTIGO DE ROBERT BLAIR KAISER – REVISTA TIME


Terça, 06 de novembro de 2012

Não deixe ninguém lhe dizer que o Concílio não mudou nada

Henry Grunwald, editor da revista Time, espantado com o 'fenômeno João XXIII" perguntou:"O que é essa palavra aggiornamento? Sobre o que é isso tudo?". E concluiu: “nós temos que ficar de olho nesse Papa Roncalli". O testemunho é de Robert Blair Kaiser, correspondente da revista Time em Roma e que cobriu as quatro sessões do Concílio Vaticano II, de 1962-1965, em conferência publicada pela revista britânica The Tablet, 11-10-2012. A tradução é de Martin Sander.
Eis o artigo.
Hoje ambas as alas da Igreja estão dizendo que o Concílio foi um fracasso. A ala esquerda diz que ele não foi suficientemente longe. A ala direita diz que foi longe demais.
Não acredito que o Concílio tenha sido um fracasso, pois ele mudou a maneira de viver – e de pensar – dos católicos. Creio que a carta escrita no Concílio Vaticano II seja a única coisa que vai salvar a Igreja, a Igreja Povo de Deus, não a igreja hierárquica.
Eu detinha uma vantagem peculiar no Concílio Vaticano II. Eu era o enviado especial da revista Time, para lá enviado, em parte, porque eu tinha passado 10 anos em uma ordem Jesuíta e porque era um dos poucos repórteres na terra que podiam falar latim fluentemente, a língua oficial do Concílio. Então, aqui estou eu em meados de agosto de 1962, conversando com o secretário do Papa João XXIII, Loris Capovilla, na residência de verão papal – o Castel Gondolfo. De repente, lá vem João XXIII saltando até o corredor de mármore. “Por que”, diz ele, de braços estendidos, “Que surpresa maravilhosa!” Naturalmente, essa não era uma surpresa. Tudo havia sido preparado e organizado com antecedência por um amigo da revista Time em Nova York, o cardeal Francis Spellman. Dessa forma, o papa não estaria quebrando a tradição.
Eu pensei que poderia conversar informalmente com o papa por alguns minutos e então sair. Mas não. O papa agarrou-me pelo cotovelo e disse que tinha algumas coisas que ele queria dizer. Ele estava finalmente pronto para dizer ao mundo (e ele escolheu fazê-lo através da revista Time) que ele não pretendia que seu Concílio fosse um evento estritamente da Igreja, mas um evento mundial projetado para reunir pessoas, pessoas de todas as religiões, mesmo os chamados comunistas ateus.
Seus predecessores, Pio XI e Pio XII, tinham montado cruzadas contra o comunismo. Como um historiador, o Papa Roncalli sabia que desastre haviam sido as Cruzadas. Agora, disse ele, que o mundo estava armado com ogivas nucleares de megatons, havia chegado o momento de dizer: “Não há mais cruzadas”. Na verdade, ele não queria que o Concílio lançasse condenações contra qualquer coisa ou qualquer pessoa.
O editor para assuntos estrangeiros da revista Time, Henry Grunwald, não queria acreditar no meu relatório, mas o que ele poderia fazer? Este correspondente de Roma tinha falado com o papa, e ele não. Assim, a revista Time foi para as bancas com o meu relato sobre No more crusades [Crusadas não mais], e sobre muitas outras iniciativas que o papa estava começando a propor.
Grunwald teve de admitir: “nós temos que ficar de olho nesse Papa Roncalli. O que é essa palavra aggiornamento? Sobre o que é isso tudo?”
Tive que admitir: aggiornamento era uma palavra bastante ousada para o papa utilizar na Roma aeterna, onde nada nunca mudou. Como você pode “atualizar” uma igreja que nunca muda? O cardeal superior em Roma, Alfredo Ottaviani, o pró-prefeito do Santo Ofício da Inquisição, não poderia conceber nenhum das alterações implícitas na palavra aggiornamento, e logo teólogos como Yves Congar, Jean Danielou, Karl Rahner e Edward Schillebeeckx (os quais haviam sido silenciados antes do Concílio Vaticano II por seu “pensamento radical”) me informaram que Ottaviani estava fazendo quase tudo o que podia para colocar obstáculos no caminho dos grandes projetos de mudança do Concílio. E por que ele não iria? Seu brasão dizia tudo: Semper idem. Sempre o mesmo.
Como o Concílio faria essa atualização? Logo no início, não era muito claro para ninguém, talvez nem ao menos para o próprio papa. Ele era um homem modesto que costumava finalizar suas piadas com seu secretário com uma deixa impactante: “Eu não sou infalível, você sabe!” Mas ele teve uma intuição: que 2.500 bispos incentivados a falar livremente em uma espécie de parlamento dos bispos descobririam como.
E assim eles fizeram rapidamente. Após um debate de um mês sobre se a Igreja deveria abrir mão de sua tradicional missa em latim para o vernáculo, os padres conciliares votaram, com 2200 votos a favor da língua do povo, e apenas 200 contra. Foi nossa primeira pista de que o Concílio Vaticano II estava tentando recriar uma Igreja do povo.
Até esse momento, os bispos haviam sido parte da ecclesia docens, a Igreja que ensinava, enquanto o resto de nós éramos a discens ecclesia, a Igreja que aprendia. No Concílio, contudo, todos os bispos tornaram-se parte da Igreja que aprendia. Hobnobbing juntamente com teólogos como Congar, Chenu, Danielou e Schillebeckx começaram a falar da Igreja de novas maneiras, prometendo criar um novo tipo de Igreja, uma Igreja do povo, não uma igreja que se tornava cada vez menos relevante devido ao excessivo clericalismo, juridicismo e triunfalismo. Algumas das melhores intervenções do Concílio agora clamavam por uma igreja que acreditava que Deus agia em todos os homens e mulheres, nos indivíduos, bem como na humanidade como um todo. Uma Igreja que queria ser tudo o que nós poderíamos ser – tanto nessa vida como na próxima.
Quando o Concílio foi aberto, procurei pelo mais famoso pregador católico de América, o bispo Fulton Sheen (ele estava hospedado no Excelsior, o hotel mais caro da Via Veneto), para perguntar-lhe sobre suas esperanças em relação ao Concílio. Ele recusou meu pedido, negando a própria humanidade do Concilho. “Será tudo sobre o Espírito Santo”, disse ele. “Ele nos dirá o que dizer e o que fazer.” O bispo Sheen não me disse como eu conseguiria entrevistar o Espírito Santo.
Tentei entrevistar a todos que eu pudesse, muitas vezes em dias de 18 horas e, para minha surpresa, eu estava conseguindo publicar histórias sobre o Concílio na Time quase toda semana. E então, ao final da primeira sessão do Concílio, a editora Macmillan, nos Estados Unidos, e Tom Burns da Burns, Oates & Washburn pediram para fazer um livro sobre a primeira sessão do Concílio. Os editores da Time me deram seis semanas de folga para escrevê-lo. Eu fui para a sede da Congregação do Verbo Divino em Roma e escrevi sem parar (exceto por umas duas horas de pausa para almoço em casa todos os dias). O Observer serializou o livro em publicações de extratos do texto na primeira página de seu jornal de domingo, por quatro domingos consecutivos, em agosto de 1963. E quando o livro saiu, primeiro em Londres e Dublin, ele disparou para a o número um na lista dos mais vendidos.
No livro, eu usei uma metáfora estendida, imaginando a Igreja como a barca de Pedro, um barco que havia ficado ancorado por muitos séculos, com sua parte inferior tão incrustada com cracas que ele não conseguia navegar. Disse eu que, com o chamado do Concílio, o Papa João havia figurativamente lançado aquele navio sobre os mares do mundo.
Paulo VI gostou tanto da imagem que ele pediu a um de seus amigos monsenhores norte-americanos, que vivia em Roma, para pedir-me permissão para ter meu livro traduzido em italiano e publicado em benefício dos bispos que não entendiam que o Concílio estava tentando criar um novo tipo de Igreja – menos preocupada com seu próprio poder e mais a serviço da humanidade.
Minha imagem da barca de Pedro enfatizava o que era diferente sobre o Concílio Vaticano II. Em todos os outros Concílios da história (20 no total) a Igreja se voltou para si mesma. Este Concílio, por outro lado, voltou-se para o mundo.
Nem todo mundo entendeu isso imediatamente. A cúria do Papa João não compreendeu na época – e talvez jamais o tenham entendido. Os mais curiosos entre vocês talvez queiram ler o Journal of the Council, de Yves Congar, um diário sobre seu exaustivo e desgastante trabalho nos bastidores, lutando com o cardeal Ottaviani e seu assessor-chefe, o jesuíta holandês Sebastian. Para se preparar para o Concílio, eles elaboraram um compêndio da fé conforme enunciado por todas as encíclicas papais escritas desde Pio IX, fazendo o possível para tornar o Concílio Vaticano II outro Concílio de Trento.
“Está tudo errado”, Congar escreveu. “Isso é um absurdo papal. Estão transformando o Concílio em um manual didático que não vai ajudar a promover o aggiornamento que o Papa João XXIII está conclamando – uma recriação do que foi a fé em seus primórdios primitivos. Para redescobrir a beleza daquela fé, precisamos olhar mais profundamente para a Sagrada Escritura e estudar os Padres da Igreja. E só então o Concílio falará ao mundo em uma linguagem que esse pode entender.”
Hoje, ao ler a anotações de Congar, percebo que minha matéria na Time e meu livro sobre a primeira sessão do Concílio refletiam apenas palidamente a feroz batalha que estava acontecendo. O Observer tinha um pôster para a minha série que apareceu em todas as estações de metrô de Londres. A manchete gritava: “A conspiração para barrar o Papa João. Leia Congar e você vai ver que aquela manchete era um eufemismo.
Por que estou contando essas histórias? Porque quero que você esteja ciente, durante o próximo ano, dos esforços para estupidificar o Concílio, dos esforços para convencê-lo de que o Concílio pouco mudou a igreja. Eu acho que ele a mudou, e depois que você lembrar o tipo de Igreja com a qual vivíamos antes do Concílio Vaticano II, acredito que você concordará e se alegrará comigo e ficará feliz com o que o Concílio conseguiu fazer, irreversivelmente, eu espero.
O Concílio mudou a forma como pensamos sobre Deus, sobre nós mesmos, sobre nossos cônjuges, nossos primos protestantes, budistas, hindus, muçulmanos e judeus, até mesmo a forma como pensamos sobre os russos. Enquanto uma meia dúzia de bispos insistia por uma condenação conciliar do comunismo, João XXIII continuava a insistir que esse tipo de conversa só iria explodir com o mundo. O Papa João e seu Concílio fizeram alguns movimentos preliminares que ajudaram a acabar com a Guerra Fria. Por isso, os editores da Time elegeram João XXIII o Homem do Ano.
Os judeus? O Concílio reverteu o antissemitismo de longa data da Igreja. Até o Concílio, os católicos acreditavam que, se os judeus não se convertiam ao catolicismo, era porque havia algo de errado com eles. Os padres do Concílio mudaram essa perspectiva decidindo que os judeus ainda viviam sua antiga aliança com Deus. Decidimos que não havia nada de errado com os judeus; eles se tornaram nossos irmãos e irmãs.
Antes do Concílio, pensávamos que éramos pecadores miseráveis, quando apenas estávamos sendo nada mais do que humanos. Após o Concílio, tivemos uma nova visão de nós mesmos. Aprendemos a dar maior importância para encontrar e seguir a Jesus como “o caminho” (em oposição ao que dissemos no Credo). Não importava muito o que dizíamos. O que importava era o que nós fazíamos: ajudar a alimentar os famintos, vestir os nus e encontrar abrigo para os desabrigados. Isso é o que nos fez seguidores de Jesus.
Antes do Concílio, nos era dito que seríamos excomungados se colocássemos nossos pés em uma igreja protestante. Após o Concílio (onde observadores protestantes foram recebidos, e a eles foram dados lugares de honra, e cujo termo que a eles nos referíamos já não era mais “protestantes”, mas “irmãos separados”), paramos de lutar contra os metodistas e os presbiterianos e conspiramos com eles na luta pela justiça e pela paz e marchamos com eles para Selma.
Antes do Concílio, pensávamos que apenas os protestantes liam a Bíblia. Após o Concílio, temos visto uma nova apreciação Católica das Escrituras; elas receberam um lugar mais proeminente na missa; e, em muitas paróquias, temos grupos que se reúnem toda a semana para estudar a Bíblia.
Antes do Concílio, tínhamos orgulho de saber que nós éramos as únicas pessoas na terra que poderiam esperar a salvação, de acordo com o mantra que há séculos entoávamos: “não existe salvação fora da Igreja”.
Após o Concílio, começamos a ver que havia algo de bom e algo de grandioso em todas as religiões. E não mais achávamos que tínhamos todas as respostas. Após o Concílio Vaticano II, começamos a pensar em nós mesmos não como “a única e verdadeira Igreja”. Nós éramos “um povo peregrino”. Essa expressão trazia à mente a imagem de um grupo de viajantes humildes em uma viagem na qual, embora estivéssemos sujeitos à chuva, neve, ventos, furacões, sede, fome, pestilência, doenças e ataque de leopardos e gafanhotos, continuávamos nossa caminhada com oração e esperança de que iríamos, de alguma maneira, chegar ao nosso destino. A imagem foi calculada para combater um antigo autoconceito que não se sustentava quando em escrutínio – uma igreja triunfante que tinha todas as respostas, dominando a humanidade.
Antes do Concílio, identificávamos “salvação” com “chegar ao céu. “Após o Concílio, sabíamos que tínhamos a obrigação de trazer justiça e paz para o mundo na nossa própria sociedade contemporânea, compreendendo de uma nova maneira as palavras que Jesus nos deu quando ele nos ensinou a orar: “venha a nós o vosso Reino, seja feita a Vossa vontade assim na terra como no céu.”
Por fim, entre as figuras mais influentes no Concílio, encontramos duas almas humildes, uma mulher, Dorothy Day, fundadora do movimento Trabalhador Católico, a quem não foi dado o direito de falar aos bispos reunidos no Concílio Vaticano II (a nenhuma mulher foi) e uma figura que se parecia com um pássaro, Dom Helder Câmara, arcebispo de Recife-PE. Ambos andavam por Roma dizendo a bispos individuais e àqueles que estavam reunindo o documento de coroação do Concílio, Gaudium et Spes: por favor, não se esqueçam dos pobres.
O Concílio não se esqueceu dos pobres, e a declaração de Roma, em outubro de 2011, que aliou a Igreja com os pobres do mundo só prova que mesmo os atuais detentores de poder na Igreja (ainda tão isentos de prestar explicações) entenderam a mensagem. Vou citar Gaudium et Spes:
"As alegrias e as esperanças, o pranto e as ansiedades dos homens dessa época, especialmente aqueles que são pobres ou que de alguma maneira sofrem, estas são as alegrias e as esperanças, as tristezas e as ansiedades dos seguidores de Cristo."
Antes do Concílio, éramos obcecados pelo pecado. Era pecado comer um hambúrguer na noite de sexta-feira após o jogo. Após o Concílio, passamos a ter um novo senso de pecado. Nós não machucamos a Deus quando pecamos – nós pecamos quando machucamos alguém, ou nós mesmos. Após o Concílio, tivemos uma nova visão de sagrada esperança de nós mesmos, redefinindo a santidade como o famoso monge trapista Thomas Merton fez: ser santo é ser humano.
Antes do Concílio, nos era dito que estávamos condenados ao inferno se fizéssemos amor com nossos cônjuges sem a finalidade de fazer bebês. Após o Concílio, sabíamos que tínhamos um dever (e o prazer aprovado por Deus) de fazer amor, mesmo se não pudéssemos ter outro bebê.
Antes do Concílio, pensávamos que Deus falava diretamente ao papa e que ele transmitia a palavra para a pirâmide eclesiástica – primeiro aos bispos, em seguida, para os sacerdotes, em seguida, às freiras e, devidamente filtrada, para nós. Após o Concílio, aprendemos uma nova geometria. A Igreja não era uma pirâmide. Era mais como um círculo, onde todos são incentivados a ter voz. Nós somos a Igreja. Nós temos o direito e o dever de pronunciar-nos sobre o tipo de Igreja que queremos.
Por favor, note que a maioria dessas alterações não surgiu porque os padres conciliares renovaram o que nós já havíamos professado crer no Credo dos Apóstolos. Eles não mudaram nossa fé, eles não propuseram uma nova compreensão de Deus. Ainda é um só Deus, duas naturezas, três pessoas. Apenas nesse sentido posso concordar com o Papa Bento XVI quando ele continua insistindo em algo que ele chama “a hermenêutica da continuidade.”
Eu tenho que concordar com ele quando afirma que o Concílio não propôs nada de novo. Não, chega de novos dogmas. (E graças a Deus por isso. A última coisa que católicos modernos e pensantes querem são dogmas de qualquer espécie. “Dogma” e “dogmático” são palavras que não nos soam muito bem. Quando eu penso em dogma, penso nas centenas de anátemas estabelecidas pelo Concílio de Trento: “acredite nessas proposições dogmáticas, ou seja condenado”).
Quando Jesus se dirigia à multidão naquela encosta à beira do lago, ele não iluminava suas mentes lendo-lhes os Dez Mandamentos. Ele ateava fogo em seus corações dizendo-lhes o que lhes faria feliz.
Os padres conciliares não seguiram o exemplo de Trento. Eles seguiram o exemplo de Jesus. Eles não anatematizaram nada e ninguém. Eles definiram um novo estilo de pensar sobre nós mesmos como seguidores daquele que nos disse como poderíamos ter vida e tê-la mais abundantemente.
Erramos se passamos um pente fino nos dezesseis documentos do Concílio Vaticano II esperando encontrar garantias explícitas para a Igreja que queremos ver tomando forma no futuro. Só podemos capturar o significado real e revolucionário do Concílio olhando para o novo tipo de linguagem que permeia todos aqueles documentos. Não era o tipo de linguagem legalista que o Cardeal Ottaviani amava. O jesuíta americano John W. O” Malley, autor da obra de maior autoridade sobre o Concílio, O que aconteceu no Concílio Vaticano II, diz que a mensagem do Concílio estava escondida à primeira vista. O’Malley a descreve contrastando a nova linguagem com aquela antiga: em jogo estavam quase que duas visões diferentes do catolicismo: comandos passam a ser convites e leis passam a ser ideais; a definição passa a ser mistério, as ameaças, persuasão; a coerção passa a ser consciência e o monólogo, diálogo; reinar passa a ser servir, expulsão passa a ser integração e do vertical passa-se para o horizontal assim como da exclusão à inclusão, da hostilidade à amizade, da rivalidade à parceria, da suspeita à confiança, de estática à contínua, da aceitação passiva à participação ativa, da busca de culpa à busca de apreciação, de prescritiva à baseada em princípios, de modificação de comportamento à apropriação interna.
Meras palavras? Não acredito. Elas salientam a minha tese de que o Concílio ajudou-nos a todos a ser mais reais, mais humanos e mais amorosos. O Concílio ajudou-nos a perceber que o mundo é um lugar bom. É bom porque Deus o fez, e ele assim o fez porque ele nos amou e amou o mundo também. E assim deveríamos fazer.

Fonte: Site do IHS - Instituto Humanitas Unisinos, por indicação de Otto Santana 

segunda-feira, 1 de outubro de 2012

Cidade do Vaticano (RV)

O Concílio Vaticano II à luz dos arquivos dos Padres Conciliares: este é o título do Congresso Internacional de Estudos que será realizado no Vaticano de 3 a 5 de outubro.
O evento reunirá especialistas de todo o mundo para marcar a abertura dos 50 anos do Concílio Vaticano II. O Congresso é promovido pelo Pontifício Comitê de Ciências Históricas, em colaboração com a Pontifícia Universidade Lateranense. 
A inauguração será feita pelo Arcebispo de Milão, Card. Angelo Scola que falará sobre “Do alvorecer à abertura do Concílio. Notas para uma leitura do Vaticano II”.
O Congresso será dividido geograficamente, de acordo com a assimilação dos decretos conciliares em cada continente. Representando a América, entre outros, haverá dois conferencistas do Brasil:
José Oscar Beozzo, Seminário João XXIII, São Paulo, que falará sobre os arquivos do Vaticano II em São Paulo; e Luiz Carlos Luz Marques, da Universidade Católica de Pernambuco, que em sua palestra tratará sobre os arquivos conciliares de Dom Helder Pessoa Camara, no CeDoHc de Recife.

terça-feira, 19 de junho de 2012

A Eclesiologia do Vaticano Segundo


                                                                                  D. Demétrio Valentini


Preâmbulo:
        A figura conciliar de Dom Helder Câmara

Antes de abordar o assunto de hoje, a indispensável homenagem a Dom Helder Câmara. Sobretudo em Recife, não dá para falar em Concílio Ecumênico sem ter como referência a figura de Dom Helder Câmara.
     Sem sombra de dúvida, no contexto dos “Padres Conciliares” deste 21º Concílio Ecumênico, Dom Helder emerge como o exemplo maior de devotamento pessoal à causa do Concílio, de abertura de espírito, generosidade de propostas, e esperança confiante nos resultados do Concílio.
Ninguém sonhou tanto como Dom Helder! Em sua homenagem, queremos ter presente agora o seu sonho, quando se aproximava o terceiro milênio: a humanidade em paz, o mundo sem fome, e a Igreja realizando o Segundo Concílio de Jerusalém.

Introdução
Para desenvolver a reflexão de hoje, proponho que façamos como os discípulos de Emaús. Vamos percorrer o processo conciliar. Ao longo do caminho irá emergindo a eclesiologia do Vaticano Segundo, com a vantagem de percebermos suas diversas dimensões, contextualizadas na dinâmica conciliar, para assim captar melhor o impacto que tiveram.
Ao longo do caminho, como os discípulos de Emaús, nosso coração também poderá arder de entusiasmo pela Igreja imaginada pelo Concílio. Sem esquecer que ela é chamada a viver o mistério pascal, em que nem tudo acontece de acordo com as nossas expectativas, como os discípulos de Emaús experimentaram vivamente.             
           
I - A Igreja sonhada por João 23
Vamos iniciar nossa caminhada, conferindo os sonhos de João 23.
Para isto, vamos recuperar algumas breves passagens do seu famoso discurso de abertura do Concílio no dia 11 de outubro de 1962. 
Começamos por captar sua alegria, seu entusiasmo, e sua confiança, com as palavras iniciais, que ainda parecem ecoar sonoras na basílica do Vaticano: “Gaudet Mater Ecclesia”:
 Alegra-se a Mãe Igreja, porque, por singular dom da Providência divina, amanheceu o dia tão ansiosamente esperado em que solenemente se inaugura o Concílio Ecumênico Vaticano II, aqui, junto do túmulo de São Pedro, com a proteção da Santíssima Virgem, de quem celebramos hoje a dignidade de  Mãe de Deus.”
   Como não se cansava de dizer, João 23 fazia questão de deixar registrada sua convicção de que o Concilio era obra de Deus, tinha sido inspirado pelo Espírito Santo:
Foi algo de inesperado: uma irradiação de luz sobrenatural, uma grande suavidade nos olhos e no coração. E, ao mesmo tempo, um fervor, um grande fervor que se despertou, de repente, em todo o mundo, na expectativa da celebração do Concílio.” 
A Igreja sonhada por João 23 devia ser um sinal de alegria e de esperança para toda a humanidade.
Calaram fundo as palavras do Papa sobre a nova postura que a Igreja devia ter diante dos erros que podem surgir. Disse ele textualmente:
 “A Igreja sempre se opôs aos erros; muitas vezes até os condenou com a maior severidade. Agora, porém, a esposa de Cristo prefere usar mais o remédio da misericórdia do que o da severidade. Julga satisfazer melhor às necessidades de hoje mostrando a validez da sua doutrina do que renovando condenações.”
Então o Papa pronuncia estas palavras proféticas, que de certa maneira identificavam a Igreja que o Concílio iria definir. Disse ele: 
“Assim sendo, a Igreja Católica, levantando por meio deste Concílio Ecumênico o facho da verdade religiosa, deseja mostrar-se mãe amorosa de todos, benigna, paciente, cheia de misericórdia e bondade também com os filhos dela separados.”
E conclui seu discurso propondo o cenário que envolvia o céu e a terra, convergindo para os bispos reunidos em concílio, a quem ele transmitia suas sábias recomendações:
 “Pode dizer-se que o céu e a terra se unem na celebração do Concílio: os santos do céu, para proteger o nosso trabalho; os fiéis da terra, continuando a rezar a Deus; e vós, fiéis às inspirações do Espírito Santo, para procurardes que o trabalho comum corresponda às esperanças e às necessidades dos vários povos. Isto requer da vossa parte serenidade de espírito, concórdia fraterna, moderação nos projetos, dignidade nas discussões e prudência nas deliberações.
Já no discurso de abertura podemos identificar os traços característicos da visão de Igreja proposta pelo concilio: uma Igreja sacramento de salvação da humanidade, misericordiosa, mãe amorosa de todos, pronta e atenta para agir com prudência e bondade.
Mas iniciemos agora o percurso do Concílio, aberto com este discurso tão animador.
  
II – A emergência do tema no Concílio
Ao longo da preparação, e mesmo nos primeiros debates, não estava claro qual deveria ser o núcleo central deste Concílio, sua mensagem principal, afinal o seu perfil, o seu recado, a sua razão de ser.
A dispersão temática podia ser flagrada na multiplicidade de esquemas preparatórios. Passavam de 70. Este número generoso, de um lado, refletia o grande interesse suscitado pelo anúncio do concílio, e o intenso envolvimento eclesial, estimulado pelo pedido de sugestões, que foram dadas com generosidade, e recolhidas em doze volumes.  Mas denotava falta de articulação, de um fio condutor, que só seria identificado através dos debates conciliares.  
Foi providencial a escolha do esquema sobre a Liturgia para dar início aos trabalhos. Era o esquema mais maduro, com boa fundamentação teológica, e com propostas bem concretas, em torno de um assunto de evidente proximidade de todos os padres conciliares... A discussão deste esquema permitiu aproximar os bispos, atualizar o seu latim, que se tornou uma espécie de “koiné diálectos” para o suficiente entendimento entre eles. E mostrou com muita evidência a necessidade da renovação, idéia inspiradora de todo o Concílio, proposta com insistência por João 23.
Terminada a primeira abordagem do esquema sobre a Liturgia, aconteceu um fato muito importante, que de certa maneira traçou os rumos do Concílio.
Foi a rejeição do esquema “De fontibus revelationis”. Era o segundo esquema proposto para estudo. Suscitou logo muitas resistências, por expressar ainda atitude condenatória frente aos protestantes, em contraste com o espírito proposto no discurso de abertura, e com as expectativas de aproximação ecumênica que o anúncio do Concílio tinha despertado.
Levado à votação, expressiva maioria se mostrou contrária ao documento, pedindo sua substituição. Mas faltaram poucos votos para atingir os dois terços necessários para rejeitar um esquema, de acordo com o regulamento.
Foi então que João 23 interveio pela primeira vez nos trabalhos conciliares, mandando substituir o esquema por outro mais de acordo com as expectativas ecumênicas. 
O fato teve grande repercussão, e conseqüências práticas muito determinantes, pois de certa maneira conformou uma expressiva maioria conciliar, feita dos que tinham votado contra o documento, e acrescida de muitos outros bispos que no gesto do Papa perceberam que ele não se prendia aos esquemas preparatórios, muitos deles vazados ainda em linguagem da contra-reforma. A partir daí, as votações encontraram um claro critério de posicionamento, que atravessou todo o concílio.
Alguns historiadores chegam a identificar naquele gesto do Papa o término do período histórico da “contra-reforma”.  Ela teria se encerrado no dia 20 de novembro de 1962, data da decisão de João 23 de mandar retirar o polêmico esquema sobre “as fontes da revelação”.
Aí entrou para a análise o esquema sobre a Igreja. Foi então que à luz do clima conciliar já consolidado, emergiu com muita clareza que o Concílio tinha chegado ao “poço de Jacó”, tinha identificado o tema que o justificava, o assunto articulador de todos os outros, o fio condutor que estava faltando.
Entre as diversas vozes dos padres conciliares que ressaltavam a importância de uma nova abordagem da Igreja, se destacou a intervenção do Cardeal Montini, o futuro Paulo VI. Ele sublinhou a centralidade do tema, cujos debates estavam iniciando.
Àquela altura, já não havia mais tempo para aprofundar o assunto, pois se esgotava o período previsto para a primeira sessão. Mas se conseguiu uma clareza meridiana sobre as temáticas a serem abordadas pelo Concílio. Elas deveriam girar em torno deste tema central.
De modo que a primeira sessão conciliar terminava sem nenhum documento, mas com os objetivos do Concílio definidos mais claramente.
É muito importante perceber o contexto em que o tema “Igreja” emergiu, num clima de ecumenismo, e na esperança de uma grande renovação da Igreja.
Portanto, já iam se definindo os contornos da Igreja que o nosso tempo pedia: engajada na renovação, aberta à causa ecumênica, comprometida com a unidade dos cristãos.
Antes do debate sobre a Igreja, o Concílio já balizava os seus contornos, que depois seriam explicitados pelos documentos redigidos e aprovados.
renovação, e engajada na causa ecumênica.

III – A centralidade do tema Igreja - A constelação eclesial
No intervalo entre a primeira e a segunda sessão, enquanto João 23 ainda estava vivo, foram tomadas decisões muito importantes. A principal delas consistiu na reformulação completa de todos os esquemas preparatórios, no sentido de aglutinar as temáticas semelhantes, reduzir sua extensão, clarear sua organicidade.
De tal modo se reduziu o número de esquemas, que de setenta passaram a pouco mais de dez, ficando em aberto a emergência de temas novos, que poderiam ainda surgir.
Da reformulação dos esquemas resultou evidente a centralidade do tema Igreja. De tal modo que se desenhou uma espécie de “constelação solar”, em que o assunto IGREJA estaria no centro do sistema, com seus diversos satélites girando ao seu redor.
        Antecipando agora um breve olhar sobre esta constelação, e apresentando-a na forma dos títulos dos 16 documentos conciliares, temos a Lúmen Gentium como centro do sistema, em seguida as outras três “constituições”, os nove “decretos”, e as três “declarações”,  como os quinze satélites girando em torno da grande estrela solar, que é a Lúmen Gentium, o documento conciliar sobre a natureza e a missão da Igreja..
Assim, o Concílio Vaticano Segundo se caracteriza, claramente, como um concílio “eclesiológico”, como os primeiros quatro grandes concílios foram claramente “cristológicos”: o Concilio de Nicéia em 325, o de Constantinopla em 380, o de Éfeso em 431, e o de Calcedônia em 451.   
Neste contexto podemos antecipar uma observação importante sobre a validade e a vigência deste concílio. Se os primeiros quatro abordaram um tema bem mais unitário, e assim mesmo retomado quatro vezes, em quatro concílios subseqüentes, mais compreensível se torna agora a necessidade de retomar os temas abordados pelo Vaticano Segundo, para aprofundar sua compreensão, e sobretudo perceber os enfoques diferenciados que o tema Igreja pode assumir, dependendo dos diferentes contextos em que a Igreja pode se concretizar.
O fato evidente é que este Concílio abordou um tema muito vasto, profundo, dinâmico, e multi-facetado.
O Vaticano II colocou em questão a Igreja. Em torno dela, colocou os fundamentos sólidos, expressos pela Lúmen Gentium.  Agora, “cada um veja como constrói sobre este fundamento” (1Cor 3, 10).
Tendo nascido sob o impulso do ecumenismo, que apela para a unidade, ao mesmo tempo este Concílio coloca, como decorrência de sua opção ecumênica,  a importância de acolher dentro da unidade fundamental, a indispensável diversidade eclesial, a ser corretamente entendida e concretizada.
  
IV - Igreja Povo de Deus – a revolução copernicana na eclesiologia
Iniciado na primeira sessão, o tema “Igreja” foi estudado na segunda, em 1963. Aí ele foi adquirindo aos poucos a fisionomia que o documento Lúmen Gentium agora apresenta, e que seria aprovado no final da terceira sessão.
A forma inicial do esquema era bem tradicional e estreito. Apresentava a Igreja de forma piramidal, com três capítulos centrais: a hierarquia, os religiosos, os leigos.
Era evidente a estreiteza do esquema, que precisava ser superada, para acolher uma visão de Igreja mais abrangente.  Era forçoso, sobretudo, desfazer a visão piramidal, que já não se coadunava com a crescente compreensão da hierarquia como um serviço feito aos irmãos na fé.
Foi neste contexto de busca de uma Igreja mais fraterna, mais humana, mais simples, mais comunitária, e ao mesmo tempo mais evangélica, mais autêntica, mais de acordo com o testemunho positivo das primeiras comunidades cristãs descritas nos Atos dos Apóstolos, que surgiu a idéia luminosa, de descrever a Igreja como Povo de Deus.
Entre diversos Padres Conciliares que intervieram, destacou-se a intuição apresentada pelo Cardeal Döpfner, de Munique. Ele propôs muito simplesmente que antes de falar de categorias especiais dos membros da Igreja, se falasse de modo abrangente de todos os membros, em sua igualdade fundamental e na mesma dignidade de filhos de Deus.
Propôs então que se introduzisse um novo capítulo, precedendo aos três tradicionais, apresentando  a Igreja na categoria bíblica de Povo de Deus.
A idéia foi prontamente assumida, e o gesto foi interpretado como expressão concreta, assumida pelo Concílio, para fundamentar uma visão de Igreja  que superasse todas as discriminações, e viabilizasse a integração de outros valores evangélicos, que a vivencia cristã iria apresentando.
Esta opção de privilegiar a visão de Igreja como Povo de Deus teve tanta repercussão do Concílio, que ela se assemelhou à famosa “revolução copernicana”, quando a humanidade se deu conta, ajudada por Copérnico, que não era o sol que girava ao redor da terra, mas a terra que girava ao redor do sol.
Assim a centralidade da Igreja não estava na hierarquia, mas no Povo de Deus, que inclui todos os membros da Igreja, de maneira igualitária e fundamental, e a serviço do qual está a hierarquia. 
Com a introdução do capítulo sobre o Povo de Deus, o Concílio fazia a clara opção de uma visão bíblica e ao mesmo tempo histórica da Igreja, possibilitando situar a Igreja no contexto da caminhada da humanidade, no leque amplo de relacionamentos diversos e concretos que podem ser suscitados.
A visão de Igreja Povo de Deus possui no Vaticano Segundo uma centralidade, cujo alcance pode escapar a uma análise superficial da eclesiologia do Vaticano Segundo.
É a partir da visão da Igreja como Povo de Deus que se situam, de maneira integrada, as outras dimensões da Igreja, que são colocadas ao longo dos atuais oito capítulos da Lúmen Gentium. O Capítulo Segundo tem uma centralidade dinâmica. Possibilita situar a Igreja no seu relacionamento histórico com a diversidade de “povos, línguas e nações”, afinal, na sua encarnação concreta e na sua vizinhança com a realidade histórica da humanidade.
Por isto, parece equivocada a interpretação divulgada a partir do Sínodo especial comemorativo dos 20 anos do Concílio, em 1985, que teria relativizado a visão de Igreja Povo de Deus, para ressaltar a dimensão de Igreja como mistério de comunhão.
A afirmação do Concílio, para ser bem entendida, precisa ser situada no contexto histórico em que foi formulada. Ela serviu para fundamentar uma nova visão de Igreja, que vinha ao encontro das grandes expectativas de renovação eclesial, que o Concílio tinha desencadeado.
Por isto, a importância da visão de Igreja como “Povo de Deus”, vai além do conteúdo desta afirmação, pois era vista e tida como símbolo da nova visão de Igreja que estava surgindo do Concílio.  O Concílio estava propondo uma Igreja “Povo de Deus”!
 
V – Visão includente de Igreja
A visão de Igreja Povo de Deus atravessa todos os documentos conciliares, e revela uma insistência proposital.  Sempre que se fala de Igreja, ou de uma dimensão relativa à vida da Igreja, logo se ressalta a universalidade eclesial, que a visão de Povo de Deus facilita.
Disto resulta uma espécie de precaução do Concílio, para expressar claramente que “todos somos Igreja”, e que os dons concedidos à Igreja são destinados a todo o povo de Deus.
Assim, por exemplo, na própria Lúmen Gentium, antes de falar dos religiosos, que possuem a vocação de testemunhar a santidade da Igreja, o Concílio tomou a providência de anteceder ao capítulo sobre os religiosos, o capítulo sobre a vocação universal à santidade
Na Presbyterorum Ordinis, ao falar do “sacerdócio ministerial”, concedido a alguns, faz questão de ressaltar a importância do “sacerdócio comum” a todos os fiéis, ao serviço do qual está o sacerdócio ministerial.
De tal maneira que a afirmação da Igreja como Povo de Deus, precedendo o capítulo sobre a hierarquia, se tornou paradigma da abordagem de todas as outras dimensões eclesiais, para enfatizar sua destinação a todos os membros da Igreja.
À luz desta opção, compreende-se melhor a decisão tomada pelo Concílio, por votação, de incluir na Lúmen Gentium o documento sobre a Virgem Maria Mãe de Deus. Em vez de um documento especial, aguardado por alguns com grande expectativa, o Concílio preferiu insistir também a propósito de Nossa Senhora, enfatizando que ela também está situada no “mistério de Cristo e da Igreja”.
      
VI – Colegialidade Episcopal: uma Igreja corresponsável e participativa
Ao lado da importância da visão de Igreja como Povo de Deus, o Vaticano II enfrentou a questão da Colegialidade Episcopal, de grande peso teológico, que estava pendente desde o Vaticano Primeiro.
Colocado o capítulo sobre a hierarquia depois do capitulo sobre o Povo de Deus, ficou mais fácil de compreender a hierarquia como um serviço ao Povo de Deus, e partir daí entender sua importância, e sua missão específica.
Neste Capitulo, de maneira mais destacada, o Concílio analisa e define a natureza e a missão do Episcopado, entendido como um sacramento com dimensão eclesial muito clara e fundamental.  
Atenta ao formato que Cristo deu ao seu grupo de Apóstolos, a Igreja faz questão de ressaltar sua continuidade, na mesma comunhão e na mesma missão. A missão confiada aos doze, comporta a comunhão e a igualdade entre eles, e ao mesmo tempo a missão própria confiada a um deles, Pedro, a serviço da unidade e da fidelidade de todos os outros.
É o que a Igreja professa em forma de “primado e colegialidade”, que o Vaticano Segundo expressou e definiu claramente.
Para a vida da Igreja são indispensáveis tanto a dimensão de colegialidade, como a dimensão de primado. Ambas estão a serviço da comunhão eclesial e da fidelidade a Cristo.
Quando se rompe este equilíbrio entre Primado e Colegialidade, a Igreja fica exposta a rupturas, fáceis de irromper e muito difíceis de superar depois de implantadas.
Durante o Concílio, um bispo ortodoxo católico apresentou sua leitura histórica das grandes divisões acontecidas na Igreja, como decorrentes do exercício inadequado da colegialidade episcopal e do primado. Segundo ele, a ruptura com os ortodoxos, em 1054, se deu por não terem valorizado o primado. Foi enfatizada demais a colegialidade.
Depois, o Ocidente, deixado só como o exercício do primado, levou à ruptura protestante, pela carência de uma colegialidade vivida a serviço da salutar descentralização da Igreja, que poderia ter acontecido sem a ruptura protestante.
Não é o caso de discorrer aqui sobre as múltiplas decorrências que poderiam advir de uma prática mais adequada da Colegialidade Episcopal.  Ela simboliza a corresponsabilidade eclesial, com o incentivo para a participação de todos na vida e na missão da Igreja. 
Mas no mínimo é conveniente ressaltar que da reta visão da colegialidade, e da visão da Igreja como Povo de Deus, derivam as grandes intuições pastorais do Concilio Vaticano Segundo.
Em especial, a importância das Igrejas Locais, como concretizações da Igreja nas realidades onde ela se insere, na diversidade de raças e culturas.
Igualmente a importância das comunidades eclesiais, onde o Evangelho pode ser vivido na prática da convivência cotidiana e da inserção no mundo.
Sem dúvida, um bom ponto de partida para uma avaliação do Concílio, seria conferir como é praticada a colegialidade episcopal.
        
VII – Uma Igreja inserida no mundo
No intervalo entre a primeira e a segunda sessão foi feita a drástica redução dos esquemas, integrando seus assuntos em torno do tema central da Igreja.  Mas logo foi se percebendo que faltavam alguns assuntos importantes, relativos a realidades de ordem econômica, social e cultural.
Na medida que estas questões emergiam, foi se percebendo a necessidade de agrupá-las, num esquema especial, que recebeu o nome de “esquema treze”, em vista do número de esquemas já consolidados.
Assim é que os assuntos, que a partir da Rerum Novarum vinham sendo integrados no patrimônio da “Doutrina Social da Igreja”, foram retomados pelo Concílio, num esquema especial, na tentativa de atualizá-los e colocá-los em sintonia com contexto conciliar. Destes assuntos resultou o documento Gaudium et Spes, sobre “A Igreja no mundo de hoje”.
Com isto, a visão de Igreja do Vaticano Segundo, ficou enriquecida com a descrição de suas relações com a comunidade humana.
Com este documento o Concílio propõe uma Igreja servidora da humanidade, inserida na sociedade, e solidária com as causas da justiça e da paz.
A solidariedade da Igreja com o empenho pelo desenvolvimento integral “do homem todo e de todos os homens”, iria ficar para a encíclica pós-conciliar Populorum Progressio, seguindo o conselho levado a Paulo VI por Dom Helder e outros bispos. Pois já não havia, na quarta sessão, clima favorável para incluir na Gaudium et Spes todas as dimensões que seria conveniente ponderar com mais calma, passado o sufoco dos intensos trabalhos da última sessão conciliar.

Conclusão
Olhar o Concílio na perspectiva de sua eclesiologia, é mergulhar no seu caudal mais rico e mais profundo.  Depois de vinte séculos, a Igreja se reuniu em concílio, para reencontrar sua identidade, à luz do Evangelho de Cristo e do testemunho da Igreja Primitiva, e reassumir sua missão diante do mundo para o qual Cristo a envia hoje.
Dom Helder foi talvez a pessoa que vivenciou mais intensamente este vasto acontecimento. Tendo vivido intensamente o Vaticano Segundo, ele sonhava com o Jerusalém Segundo para atualizar a Igreja de Cristo na virada do milênio.
O jubileu do milênio já aconteceu. Mas não aconteceram certamente, todos os sonhos de uma Igreja renovada, fraterna, despojada de superficialidades, e pronta para a missão.
Estamos celebrando os 50 anos da abertura do Concílio. Ele desencadeou um clima de intensa participação e protagonismo de todos. Como retomar este protagonismo, e como nos sentir de novo envolvidos na renovação da Igreja?
Quem sabe poderemos partilhar um pouco nossas esperanças e nossas apreensões, prosseguindo agora nossa conversa de maneira aberta e participativa.

sexta-feira, 11 de maio de 2012

Missa com Dom Cláudio Hummes abre a Convenção Shalom 30 anos

A celebração aconteceu na Basílica de são João de Latrão e marcou o início da Convenção internacional.

Na noite desta quarta-feira, 09, na Basílica de São João de Latrão, em Roma, foi realizada a missa de abertura da Convenção Shalom 30 anos. A celebração foi presidida pelo Dom Frei Cláudio Cardeal Hummes, Arcebispo emérito de São Paulo e Prefeito emérito da Congregação para o Clero, que já foi Arcebispo de Fortaleza e o responsável pela aprovação dos Estatutos da Comunidade Católica Shalom em nível Diocesano na Páscoa de 1998.

A Celebração marca, além da abertura da Convenção Shalom 30 anos, o rito das promessas definitivas dos membros da Comunidade Shalom que moram no exterior. O início foi às 19h30minh (horário de Roma), sendo acompanhada ao vivo por mais de 700 internautas através de transmissão via stream de vídeo e pela   Rádio Shalom 690 AM a partir das 14:30h (horário de Brasília). A missa repercutiu no microblog   twitter, colocando a hastag #Shalom30Anos entre os três assuntos mais comentados no Brasil, sendo por alguns minutos o primeiro termo no Trending Topics.

Na homilia, Dom Cláudio ressaltou a importância da Comunidade Católica Shalom ir à Igreja-mãe para celebrar seus 30 anos, fazendo-o lembrar de São Francisco (ano 1200), que foi com seus 12 seguidores pedir a aprovação de sua vivência comunitária ao Papa Inocêncio III, que aprovou pela inspiração de Deus, que o revelara a importância daquele novo movimento que renovaria a forma de viver o Evangelho.

Da mesma forma a Igreja acolhe a Comunidade Católica Shalom, assim como acolhe as Novas Comunidades e novos movimentos que colaboram para a renovação da Igreja. “São a resposta evangelizadora para o mundo de hoje” – ressalta, lembrando palavras do Beato João Paulo II.

Dom Cláudio ainda aponta para a necessidade da vivência em comunhão com a Igreja e os bispos locais, sendo verdadeira renovação, proporcionando unidade e crescimento. “É necessário viver como santos”, se dirigindo ao Evangelho, onde Jesus anuncia: “Eu sou a videira e vocês são os ramos” (Jo 15, 5). O celebrante conclui com seus desejos, como Igreja, para a comunidade e aos consagrados: “Sejam firmes e perseverantes em seu carisma, vão em busca. Não fiquem esperando, ide!”, proclamou.

A celebração prosseguiu com o Rito das Promessas definitivas através do qual os consagrados no Carisma Shalom selaram suas promessas definitivas na vocação.

Na palavra do Fundador e Moderador Geral da Comunidade Shalom Moysés Azevedo aos que fizeram as promessas definitivas disse que estes “na força do sacramento do batismo dar um sim definitivo e incondicional. Uma oferta total e sem volta da vida de vocês em favor da missão que o Senhor nos confiou”.

Moysés ainda falou   que em um mundo que perde a noção do definitivo porque não consegue mais olhar para a eternidade suplicava ao Senhor que cada um dos presentes fossem como “janelas da eternidade” para os homens e mulheres dos dias de hoje.

O missionário reinaudi que faleceu há vinte dias foi também lembrado na fala do Fundador. “ Ele [Reinaudi] testemunha no céu que vale a pena uma vida doada, ofertada com alegria e felicidade. Com brilho nos olhos. Portemos no nosso olhar a alegria de quem corresponde à escolha definitiva de Deus em nossas vidas”, disse. A Dom Cláudio dirigiu uma palavra: “O senhor faz parte de nossa história. O senhor nos acolheu com o coração de pai, pastor e protetor. Deu-nos o reconhecimento diocesano, estava ao nosso lado no reconhecimento pontifício e hoje estar conosco nos nossos trinta anos e no recebimento de nossos estatutos definitivos. Muito obrigado”, agradeceu.


SERVIÇO

As convenção Shalom prossegue até o próximo dia 16. A seguir a programação completa no horário de Brasília.


10/05 – Quinta-feira


MANHÃ

 DIA DE PEREGRINAÇÃO A ASSIS

  - Missa (18h)

- Presidente da celebração: Mons. Javier Martinéz

- São Francisco e a Vocação Shalom

- Local: Basílica Santa Maria dos Anjos e Praça da Basílica

  11/05 – Sexta-feira

 NOITE


MISSA DE ABERTURA DO CONGRESSO INTERNACIONAL e APRESENTAÇÃO DOS ESTATUTOS DEFINITIVOS

- Presidente da celebração: Cardeal Stanislaw Rylko

- Horário: 14:30h

- Local: Basílica S. João de Latrão


NOITE COM JOÃO PAULO II

- Pregação: Pe. François-Marie Léthel

- Veneração das Relíquias de João Paulo II

- Horário: 15:30 às 17:30h

- Local: Basílica S. João de Latrão

 Links de transmissão: http://www.livestream.com/comshalom

Mais informações: http://comshalom.org/blog/30anos/