D. Demétrio Valentini
Nas tradições das grandes culturas, há duas maneiras de viver a história. Uma maneira é a linear: a história avança, e nós registramos os passos que ela vai dando, assinalando o local de cada acontecimento num calendário progressivo. Esta é a maneira predominante da cultura ocidental.
Outra maneira de viver a história é a circular. Os anos vão passando, mas se inserem dentro de uma dinâmica repetitiva, onde parece que tudo acontece de novo, num circuito que avança, e ao mesmo tempo parece retomar os mesmos acontecimentos.
Esta maneira parece encontrar no calendário chinês sua realização mais típica. Aí os anos são identificados com algum ser que lhe dá o nome. O ano pode ser do porco, do cavalo, do gato, e assim por diante. Um ano que passa, voltará depois de algum tempo.
Algo de parecido nós fazemos também, quando revivemos alguns acontecimentos do passado, trazendo-os de novo presentes por uma celebração, que nos ajuda a revivê-los.
A cultura judaica tinha muito forte este componente de reviver o passado. Ele foi aplicado, especialmente, para reviver o fato mais significativo da história de Israel, que foi a libertação do Egito. A celebração da Páscoa permitiu reviver o acontecimento passado, na realidade do presente. Jesus Cristo soube muito bem valorizar este componente de revivência histórica, vinculando a entrega de sua vida à memória a ser guardada para sempre. Aí reside a força celebrativa da Eucaristia, por exemplo.
Pois bem, voltando à maneira de reviver a história, a instituição que mais está a serviço desta revivência é a prática dos jubileus. Por eles não só recordamos os fatos, mas procuramos nos identificar com eles, percebendo a dinâmica que possuem, e nos inserindo dentro delas, de tal modo que, mesmo já passados, os fatos recebem novo valor, e nós que vivemos agora, damos mais consistência à nossa vida, pela maneira como nela integramos o passado, e nos associamos ao dinamismo do mesmo processo que moveu o passado e vai movendo o presente.
Neste ano temos uma situação bem típica deste fenômeno. Recordamos um acontecimento do passado, que teve ampla repercussão histórica, e que na verdade ainda não se esgotou. Trata-se do Concílio Vaticano II, realizado nos primeiros anos da década de sessenta, no século passado.
Sobretudo porque abordou a vida da Igreja, propondo uma nova compreensão e uma ampla renovação, o Concílio desencadeou um intenso processo que ainda está em andamento. Ele agora se defronta com as situações típicas que não existiam 50 anos atrás. Mas conserva a mesma identidade que o caracterizou como evento que marcou época, e que ainda serve de referência para todos os que se posicionam diante dos temas que ele levantou.
Daí a importância de trazer presente os ingredientes mais típicos deste fato da história, possibilitando que eles possam agora de novo interagir, nas novas circunstâncias que a realidade nos apresenta hoje.
Neste sentido, vale a pena recordar que este concílio levou a marca positiva de um papa que foi muito bem acolhido por sua simplicidade e autenticidade de vida. E levou também a marca de um grande encontro, aberto ao relacionamento positivo não só com outras Igrejas, mas também com outras religiões existentes nas diversas culturas humanas.
Tentar reviver este vasto acontecimento, é a meta deste jubileu especial que a Igreja pretende realizar, recordando os grandes temas e as grandes intuições do Vaticano II.
Esta também foi a intenção do pequeno livro que me senti na obrigação de escrever, para dar o meu testemunho pessoal de como foi vivido o Concílio Vaticano II nos tempos de sua realização.
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